A temática Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) invadiu os espaços organizacionais e crescentemente tornou-se foco de atenção e investigação daqueles envolvidos com a pesquisa científica. Sua popularização nas organizações brasileiras se deu, principalmente, nas duas últimas décadas, sendo que a formulação de políticas e programas de Qualidade de Vida no Trabalho tornou-se, conforme destacamos em outro momento[1], uma panacéia para todos os males organizacionais.
Contudo, investigações
de caráter científico também se intensificaram neste campo e estudiosos sérios,
pertencentes às diferentes áreas do conhecimento, têm batido de frente com as
propostas do tipo “ofurô corporativo”, sabiamente assim denominadas por
Ferreira (2006)[2].
Merece destaque o princípio norteador destes diferentes estudos: a preocupação
com os trabalhadores e com os diferentes elementos do trabalho que impactam
sobre sua saúde e seu bem-estar biopsicosocial.
Não obstante, chamou-nos
a atenção a quase ausência de estudos realizados em contextos produtivos rurais
e agroindustriais. Esta “quase ausência” nos remeteu a alguns questionamentos e
nos incentivaram a verificar tal assertiva. Dois questionamentos centrais nos
incomodavam:
· Nestes
setores não houve grandes mudanças que indicassem necessidade de investigação
no campo da QVT?
· Por
quê organizaçõ es urbanas – principalmente públicas e de serviços – constituem
campo privilegiado de investigação relativa a esta temática no Brasil?
Com estes
questionamentos partimos para um levantamento bibliográfico a fim de verificar
se haveria preocupação, por parte dos pesquisadores brasileiros, com a QVT
nestes contextos produtivos. Os resultados deste levantamento ainda serão
publicados em um livro[3], mas gostaríamos de, neste
pequeno texto, incentivar a reflexão e, por isso, adiantamos, ainda que sinteticamente,
alguns “achados” e alguns pontos que ainda permanecem nos incomodando.
· Os
pesquisadores/acadêmicos com formação em Psicologia e Administração – “áreas-chave”
na compreensão dos problemas organizacionais – não se interessam pela pesquisa
nestes contextos (rural e agroindustrial). A maior parte das investigações de
pesquisadores com esta formação se concentra no setor de comércio e serviços.
· Apesar,
não só de denúncias, mas de investigações científicas demonstrarem os problemas
que enfrentam os trabalhadores que atuam nas agroindústrias brasileiras levando
ao sofrimento físico e psíquico, poucas investigações sobre esta temática (QVT)
foram realizadas. Dos 121 estudos levantados no Banco de Teses da Capes[4], somente 5 foram
realizados em agroindústrias.
· Nenhum
estudo foi encontrado no denominado “dentro da porteira”, em organizações
rurais propriamente ditas. Apesar das atividades realizadas neste contexto
produtivo serem consideradas umas das mais perigosas em termos de saúde e
segurança no trabalho.
Não é de estranhar a ausência de estudos nos campos da
Psicologia Organizacional e do Trabalho e da Administração nestes contextos
produtivos, já que, historicamente, a atuação destes profissionais se deu
inicialmente nas indústrias, e, posteriormente, no setor de serviços, com
destaque para a atuação nas organizações públicas.
Contudo, tal fato não
deve justificar a permanência
do desinteresse (ou pouco interesse) pelos fenômenos psicossociais e
organizacionais, no âmbito das organizações rurais e agroindustriais. Atingidas
– em espaço temporal diferente das indústrias – por reestruturações produtivas
que transformam as condições e os modos de trabalho, estas organizações
empregam um grande número de trabalhadores brasileiros e integram o pujante
agronegócio do país.
Importante ainda
ressaltar, que a ausência histórica, já assinalada, não deve servir para
justificar o abandono atual das populações rurais por aqueles envolvidos em
pesquisas científicas nos diferentes campos do conhecimento. Ideologicamente,
tal ausência parece revelar ser o construto Qualidade de Vida no Trabalho (e
tudo que ele agrega) como exclusivo à população urbana, reforçando a imagem de
que os problemas relativos ao trabalho (desgaste, estresse, sofrimento, dentre
outros) também se restringem a esta população, apesar da precariedade
prevalecente nos contextos produtivos agroindustrial e rural.
A Qualidade de Vida no
Trabalho é uma demanda de todos os trabalhadores. Em um país em que as projeções
para o agronegócio se destacam, não é possível o "esquecimento" (quiçá omissão/negligência), por parte dos pesquisadores, dos inconvenientes que uma grande
parte dos trabalhadores deste setor produtivo ainda padece.
[1]
Ferreira, M. C., Almeida, C. P. de, Guimarães, M. C. & Wargas, R. D.
(2010). Qualidade de vida no trabalho: a ótica da restauração corpo-mente e o
olhar dos trabalhadores. In: M. C. Ferreira, J. N. G. Araújo, C. P. Almeida
& A. M. Mendes (Orgs.). Dominação e
resistência no contexto trabalho-saúde (pp. 159-182). São Paulo, SP:
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
[2] Ferreira, M. C.
(2006). Ofurô Corporativo. Portal da Universidade de Brasília, Brasília, DF.
Recuperado em 14 de março de 2006. Obtido em http://www.unb.br/acs/artigos/at0306-03.htm.
[3] Versão inicial foi apresentada no “GT Reestructuración productiva,
trabajo y dominación social” do XXIX Congreso de Sociología ALAS – Chile 2013.
[4] Nossa consulta
envolveu os trabalhos publicados no Banco de Teses da Capes, na Scientific
Electronic Library Online – Scielo e no portal de Periódicos Eletrônicos em
Psicologia – PePSIC.
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