Translate

O mundo do trabalho e o trabalho no mundo

Seja bem-vindo ao Blog! Seu objetivo é compartilhar materiais (artigos, textos, informações, material de apoio) das disciplinas lecionadas por esta docente do Curso de Gestão de Agronegócios da Universidade de Brasília. É um espaço de comunicação com os discentes desta Professora-aprendiz.


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO NOS CONTEXTOS PRODUTIVOS RURAL E AGROINDUSTRIAL







A temática Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) invadiu os espaços organizacionais e crescentemente tornou-se foco de atenção e investigação daqueles envolvidos com a pesquisa científica. Sua popularização nas organizações brasileiras se deu, principalmente, nas duas últimas décadas, sendo que a formulação de políticas e programas de Qualidade de Vida no Trabalho tornou-se, conforme destacamos em outro momento[1], uma panacéia para todos os males organizacionais.
Contudo, investigações de caráter científico também se intensificaram neste campo e estudiosos sérios, pertencentes às diferentes áreas do conhecimento, têm batido de frente com as propostas do tipo “ofurô corporativo”, sabiamente assim denominadas por Ferreira (2006)[2]. Merece destaque o princípio norteador destes diferentes estudos: a preocupação com os trabalhadores e com os diferentes elementos do trabalho que impactam sobre sua saúde e seu bem-estar biopsicosocial.
Não obstante, chamou-nos a atenção a quase ausência de estudos realizados em contextos produtivos rurais e agroindustriais. Esta “quase ausência” nos remeteu a alguns questionamentos e nos incentivaram a verificar tal assertiva. Dois questionamentos centrais nos incomodavam:
· Nestes setores não houve grandes mudanças que indicassem necessidade de investigação no campo da QVT?
· Por quê organizaçõ es urbanas – principalmente públicas e de serviços – constituem campo privilegiado de investigação relativa a esta temática no Brasil?
Com estes questionamentos partimos para um levantamento bibliográfico a fim de verificar se haveria preocupação, por parte dos pesquisadores brasileiros, com a QVT nestes contextos produtivos. Os resultados deste levantamento ainda serão publicados em um livro[3], mas gostaríamos de, neste pequeno texto, incentivar a reflexão e, por isso, adiantamos, ainda que sinteticamente, alguns “achados” e alguns pontos que ainda permanecem nos incomodando.
· Os pesquisadores/acadêmicos com formação em Psicologia e Administração – “áreas-chave” na compreensão dos problemas organizacionais – não se interessam pela pesquisa nestes contextos (rural e agroindustrial). A maior parte das investigações de pesquisadores com esta formação se concentra no setor de comércio e serviços.
·  Apesar, não só de denúncias, mas de investigações científicas demonstrarem os problemas que enfrentam os trabalhadores que atuam nas agroindústrias brasileiras levando ao sofrimento físico e psíquico, poucas investigações sobre esta temática (QVT) foram realizadas. Dos 121 estudos levantados no Banco de Teses da Capes[4], somente 5 foram realizados em agroindústrias.
·    Nenhum estudo foi encontrado no denominado “dentro da porteira”, em organizações rurais propriamente ditas. Apesar das atividades realizadas neste contexto produtivo serem consideradas umas das mais perigosas em termos de saúde e segurança no trabalho.
Não é de estranhar a ausência de estudos nos campos da Psicologia Organizacional e do Trabalho e da Administração nestes contextos produtivos, já que, historicamente, a atuação destes profissionais se deu inicialmente nas indústrias, e, posteriormente, no setor de serviços, com destaque para a atuação nas organizações públicas.
Contudo, tal fato não deve justificar a permanência do desinteresse (ou pouco interesse) pelos fenômenos psicossociais e organizacionais, no âmbito das organizações rurais e agroindustriais. Atingidas – em espaço temporal diferente das indústrias – por reestruturações produtivas que transformam as condições e os modos de trabalho, estas organizações empregam um grande número de trabalhadores brasileiros e integram o pujante agronegócio do país.
Importante ainda ressaltar, que a ausência histórica, já assinalada, não deve servir para justificar o abandono atual das populações rurais por aqueles envolvidos em pesquisas científicas nos diferentes campos do conhecimento. Ideologicamente, tal ausência parece revelar ser o construto Qualidade de Vida no Trabalho (e tudo que ele agrega) como exclusivo à população urbana, reforçando a imagem de que os problemas relativos ao trabalho (desgaste, estresse, sofrimento, dentre outros) também se restringem a esta população, apesar da precariedade prevalecente nos contextos produtivos agroindustrial e rural.
A Qualidade de Vida no Trabalho é uma demanda de todos os trabalhadores. Em um país em que as projeções para o agronegócio se destacam, não é possível o "esquecimento" (quiçá omissão/negligência), por parte dos pesquisadores,  dos inconvenientes que uma grande parte dos trabalhadores deste setor produtivo ainda padece.




[1] Ferreira, M. C., Almeida, C. P. de, Guimarães, M. C. & Wargas, R. D. (2010). Qualidade de vida no trabalho: a ótica da restauração corpo-mente e o olhar dos trabalhadores. In: M. C. Ferreira, J. N. G. Araújo, C. P. Almeida & A. M. Mendes (Orgs.). Dominação e resistência no contexto trabalho-saúde (pp. 159-182). São Paulo, SP: Universidade Presbiteriana Mackenzie.

[2] Ferreira, M. C. (2006). Ofurô Corporativo. Portal da Universidade de Brasília, Brasília, DF. Recuperado em 14 de março de 2006. Obtido em http://www.unb.br/acs/artigos/at0306-03.htm.

[3] Versão inicial foi apresentada no “GT Reestructuración productiva, trabajo y dominación social” do XXIX Congreso de Sociología ALAS – Chile 2013.

[4] Nossa consulta envolveu os trabalhos publicados no Banco de Teses da Capes, na Scientific Electronic Library Online – Scielo e no portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia – PePSIC.

Nenhum comentário:

Postar um comentário