Presenciei nestas duas últimas semanas cenas de fortes emoções. Os atletas olímpicos demonstraram ser capazes de realizar o que para muitos de nós parece impossível. Perfeição, força, flexibilidade, agilidade e perseverança são alguns dos adjetivos para qualificar o “trabalho” dos atletas. A superação diante da dor, visível por nós e sentida por eles, também nos fizeram emocionar. Foi assim no tênis, no vôlei, na ginástica olímpica... No levantamento de peso foi terrível assistir o braço do atleta se rompendo com a força do peso por ele levantado. Seu choro sentido parecia ser menos pela dor e muito mais por perder aquela oportunidade única: realizar seu sonho e ser reconhecido com a medalha!
Ao final das competições muitos choros. Ora por felicidade e euforia diante da vitória ora por tristeza e angústia diante da derrota. Ao serem entrevistados, tantos os atletas “derrotados” quanto os vencedores, apresentavam um discurso muito semelhante. O vencedor salientava que seus esforços, sacrifícios não foram em vão, pois agora tudo parecia valer a pena. O “derrotado” se lamentava, pois havia se esforçado tanto, feito tantos sacrifícios... Tantas horas de treino e dedicação, tantas horas longe da família, tantas e tantas coisas postas de lado em prol de seu trabalho como atleta. Entretanto, muitos reafirmaram que continuariam em busca de seu sonho olímpico.
Todas essas cenas e discursos, presenciados por todos nós, fizeram-me lembrar de outras cenas e discursos. E não sei se tão diferentes... Lembrei-me dos esforços, sacrifícios e dedicação daqueles que trabalham horas a fio nos escritórios, nas indústrias, na construção civil, nos hospitais e no campo. Estudando o trabalho não é difícil identificar verdadeiros “medalhistas olímpicos” que com sua inteligência e zelo driblam os inconvenientes da organização do trabalho e das condições de trabalho que lhe são impostas, realizando verdadeiras proezas:
- O professor que leciona – e consegue preparar bem a sua aula - apesar do excesso de trabalho e de controles impostos pela gestão das organizações de ensino privadas ou apesar da falta de condições de trabalho das organizações públicas e do produtivismo prevalecente;
- O assistente do conselho tutelar que zelosamente leva a criança maltratada para sua própria casa, por não ter o devido amparo das Instituições públicas que este serviço deveriam prestar;
- O trabalhador rural que adoece e envelhece seu corpo para dar conta dos objetivos de produção;
- O enfermeiro (de hospitais públicos, principalmente) que cuida do enfermo, apesar da sobrecarga de trabalho, da falta de material e de suporte;
- O atendente do serviço público que, apesar da burocracia e da incompetência disseminadas, consegue atender eficazmente o cidadão;
Tantos outros trabalhadores “comuns”, que colocados diante de líderes autoritários, de pressões diversas e situações
adversas, ainda conseguem realizar sua atividade de trabalho. Muitas vezes, a um
custo físico e emocional elevadíssimo. O sofrer e o adoecer acabam se tornando
parte do cotidiano destes trabalhadores. Exemplos e mais exemplos não faltam
no mundo do trabalho de pessoas que superam seus limites e ultrapassam
verdadeiras barreiras a fim de cumprirem com suas tarefas. Infelizmente, neste
contexto, a dor e o adoecimento geralmente nos são invisíveis. Muitas vezes, o
próprio trabalhador se cala diante dos primeiros sinais de adoecimento.
Para muitos faltam a “medalha”
do reconhecimento. E como já nos disse um grande especialista: sem o
reconhecimento só resta o sofrimento. Sofrimento este, que retira do trabalho o
seu sentido, afetando por sua vez, a forma como ele (o trabalho) irá estruturar
nossa identidade. “Quando a qualidade do
meu trabalho é reconhecida, também meus esforços, minhas angústias, minhas
dúvidas, minhas decepções, meus desejos adquirem sentido. Todo esse sofrimento, portanto, não foi em
vão; não somente prestou contribuição à organização do trabalho, mas também fez
de mim, em compensação, um sujeito diferente daquele que eu era antes do
reconhecimento. (DEJOUS, 1999, p. 34).
O reconhecimento, a “medalha
olímpica”, se presta, portanto, à estruturação de nossa identidade, do “Quem eu
sou”. “O que eu faço” é definidor do “Quem eu sou”. Temos visto nas pesquisas
que realizamos que para uma grande parte dos trabalhadores brasileiros, quiçá
do mundo, os seus esforços, sacrifícios e angústias são sim, em vão. Não há
amparo, não há suporte, não há apoio e, muito menos, um mero elogio. Não há remuneração digna e condições de trabalho que viabilizem o seu fazer. Eu
suma, não há “medalha”!
Como ao atleta, poderíamos
perguntar: “De onde tirar forças para continuar em busca do ‘sonho olímpico’?”.
Talvez não saibam responder, mas trabalhadores,
e não somente atletas, são para mim exemplos claros de superação humana!